quinta-feira, agosto 03, 2006

Filmes de Férias

30 de julho de 2006


Antes de Agosto, a propaganda tenta convencer-nos a ser civilizados. Os civilizados ficam convencidos.

Começou a época dos anúncios injustos. Vem Agosto, as férias, enfim, a partida para longe e, com isso, as campanhas para dar má consciência a alguns de nós. Errando o alvo, porque esses alguns de nós não precisavam da campanha. E quem precisa dela olha com indiferença a mensagem-denúncia.

Dois filmes de propaganda. Um enterro, a preto e branco, como se deve nos bons filmes sobre o assunto, pazadas de terra sobre o caixão, familiares que choram. Todos partem, deixando o montículo de terra sobre o falecido bem-amado. Todos? Não. Um canito deixa partir os bípedes, mas, ele, não abandona. Triste como um cão de dono morto, vai deitar-se na campa. Mensagem: se ele nos é fiel nos maus momentos, como somos nós capazes de abandoná-lo nos momentos felizes de partir para férias?

O segundo filme começou a ser exibido nos televisores, anteontem. É encomendado pelo Ministério da Administração Interna e é sobre os acidentes rodoviários. Crianças entram num avião e enchem-no. Uma frase explica como se relaciona entrar para um meio de transporte para se prevenir acidentes de outro meio de transporte: “Todos os anos, a velocidade nas estradas vitima um avião cheio de crianças”...

Cães abandonados, crianças acidentadas na estrada – dois factos que merecem denúncia. Duas abordagens com aquela intenção de falar para as pessoas que raramente se vê nos filmes nacionais e começa também a ser rara nos jornais portugueses, mas que na publicidade são usuais. Enfim, bons assuntos e bem tratados. E, no entanto, como eu disse inicialmente, errando o alvo.

Diz-se da publicidade que ela já nos convenceu que nos convence. Só que, se isso é verdade, é manifestamente exagerado. Quer dizer, ela consegue convencer-nos da sua influência quando estamos virados para aí. Fora disso, é tempo perdido. A ideia de mostrar um cão fiel até ao último momento, a imagem de ele se deitar sobre a campa do dono, claro que me comove. E quando se serve a ideia que temos de magno desastre – um acidente de avião – para chamar a atenção do corriqueiro acidente rodoviário, mostrando que estes acabam por matar tanto (aliás, matam mais), claro que aplaudo a mensagem certa. Comovo-me eu, aplaudo eu. Só que eu não abandono cães em Agosto, nem ando a 160 na A1.

O problema, pois, com esses dois bons filmes de propaganda de duas causas justas é que me dão problemas de má consciência, a mim, que não preciso da mensagem, e deixam indiferentes os que deviam ouvir e acatar. A sensibilidade de quem fez um minifilme comovedor sobre o canito fiel não atinge o bruto que pegou no seu Rex, este fim-de-semana, e o largou na Outra Banda, porque amanhã há que embarcar para duas semanas em Santo Domingo.

Ontem, duas horas antes de eu escrever esta crónica, um tipo de Opel Corsa seguia, no IC19, tão colado à minha traseira que nem lhe via a matrícula. A mulher ia sentada ao seu lado, com o bebé pousado no colo. Tudo indícios de que aquele filme da Administração Interna, por mais que passe, nunca o convencerá que conduzir prudentemente salva crianças. A única coisa que o convenceria seria o seu bebé tornar-se má estatística e, mesmo nesse caso, só o convenceria do seguinte: que teve azar.


Ferreira Fernandes, Jornalista

Sem comentários: