terça-feira, julho 31, 2007

Sobre o civismo.

Hoje fui comprar o selo do carro. Enquanto estava na fila, apereceu uma senhora grávida que se chegou ao balcão para perguntar se tinha prioridade. Uma outra senhora, que estava na fila à minha frente gritou-lhe: «Qu'é isso?! Vá p'ró fim da fila!!! Também 'tou aqui há meia hora à espera! Tenho de ir trabalhar! Por esperar meia hora a gravidez não morre! O ar aqui não é irrespirável, ninguém aqui 'tá contagioso!!!»

Ponto número 1: o fim da fila era fora da repartição de finanças e ao sol ribatejano.

Ponto número 2: além de grávida, a senhora encontrava-se acompanhada de uma criança em idade pré-escolar.

Ponto número 3: a senhora que lhe gritou envergava o colete de funcionária dos ctt, normalmente usado pelos carteiros - funcionária pública identificada, portanto.

quinta-feira, julho 26, 2007

Elogio ao amor, de Miguel Esteves Cardoso.

Quero fazer o elogio do amor puro.
Parece-me que já ninguém se apaixona de verdade.
Já ninguém quer viver um amor impossível.
Já ninguém aceita amar sem uma razão.
Hoje as pessoas apaixonam-se por uma questão de prática.
Porque dá jeito. Porque são colegas e estão ali mesmo ao lado.
Porque se dão bem e não se chateiam muito. Porque faz sentido. Porque é mais barato, por causa da casa.
Por causa da cama. Por causa das cuecas e das calças e das contas da lavandaria.
Hoje em dia as pessoas fazem contratos pré-nupciais, discutem tudo de antemão, fazem planos e à mínima merdinha entram logo em "diálogo".
O amor passou a ser passível de ser combinado. Os amantes tornaram-se sócios.
Reúnem-se, discutem problemas, tomam decisões.
O amor transformou-se numa variante psico-sócio-bio-ecológica de camaradagem.
A paixão, que devia ser desmedida, é na medida do possível. O amor tornou-se uma questão prática.
O resultado é que as pessoas, em vez de se apaixonarem de verdade, ficam "praticamente" apaixonadas.
Eu quero fazer o elogio do amor puro, do amor cego, do amor estúpido, do amor doente, do único amor verdadeiro que há, estou farto de conversas, farto de compreensões, farto de conveniências de serviço.
Nunca vi namorados tão embrutecidos, tão cobardes e tão comodistas como os de hoje.
Incapazes de um gesto largo, de correr um risco, de um rasgo de ousadia, são uma raça de telefoneiros e capangas de cantina, malta do "tá tudo bem, tudo bem", tomadores de bicas, alcançadores de compromissos, bananóides, borra-botas, matadores do romance, romanticidas. Já ninguém se apaixona?
Já ninguém aceita a paixão pura, a saudade sem fim, a tristeza, o desequilíbrio, o medo, o custo, o amor, a doença que é como um cancro a comer-nos o coração e que nos canta no peito ao mesmo tempo?
O amor é uma coisa, a vida é outra. O amor não é para ser uma ajudinha.
Não é para ser o alívio, o repouso, o intervalo, a pancadinha nas costas, a pausa que refresca, o pronto-socorro da tortuosa estrada da vida, o nosso "dá lá um jeitinho sentimental".
Odeio esta mania contemporânea por sopas e descanso. Odeio os novos casalinhos. Para onde quer que se olhe, já não se vê romance, gritaria, maluquice, facada, abraços, flores.
O amor fechou a loja. Foi trespassada ao pessoal da pantufa e da serenidade. Amor é amor.
É essa beleza. É esse perigo. O nosso amor não é para nos compreender, não é para nos ajudar, não é para nos fazer felizes. Tanto pode como não pode. Tanto faz. É uma questão de azar.
O nosso amor não é para nos amar, para nos levar de repente ao céu, a tempo ainda de apanhar um bocadinho de inferno aberto.
O amor é uma coisa, a vida é outra. A vida às vezes mata o amor.
A "vidinha" é uma convivência assassina. O amor puro não é um meio, não é um fim, não é um princípio, não é um destino. O amor puro é uma condição. Tem tanto a ver com a vida de cada um como o clima. O amor não se percebe. Não dá para perceber. O amor é um estado de quem se sente. O amor é a nossa alma. É a nossa alma a desatar. A desatar a correr atrás do que não sabe, não apanha, não larga, não compreende. O amor é uma verdade. É por isso que a ilusão é necessária. A ilusão é bonita, não faz mal. Que se invente e minta e sonhe o que quiser. O amor é uma coisa, a vida é outra. A realidade pode matar, o amor é mais bonito que a vida. A vida que se lixe. Num momento, num olhar, o coração apanha-se para sempre. Ama-se alguém. Por muito longe, por muito difícil, por muito desesperadamente. O coração guarda o que se nos escapa das mãos. E durante o dia e durante a vida, quando não esta lá quem se ama, não é ela que nos acompanha - é o nosso amor, o amor que se lhe tem.
Não é para perceber. É sinal de amor puro não se perceber, amar e não se ter, querer e não guardar a esperança, doer sem ficar magoado, viver sozinho, triste, mas mais acompanhado de quem vive feliz. Não se pode ceder. Não se pode resistir.
A vida é uma coisa, o amor é outra. A vida dura a vida inteira, o amor não.
Só um mundo de amor pode durar a vida inteira. E valê-la também.

quarta-feira, julho 25, 2007

You know what? Exactly.

fotografia: Evandro Monteiro

...BITE ME!!!
(happy for one of you though)

segunda-feira, julho 23, 2007

Não é que esteja a premeditar, mas...

Se mais alguém me diz:


- Vou de férias!

- Estou de férias!

- 'Teve um dia de praia mesmo bom!

- Não tou a fazer nada...

- Epá, já tou cansado/a de estar em casa!


Ou outra do género, eu não respondo por mim!

'tá tudo avisado!!!


empaticamente retirado daqui


*update: à lista acima apresentada acrescentar: - A água estava muito boa! (a menos que se estejam a referir à de torneira ou de garrafa) *

A partilhar mais um bocadinho.

Espera-me

espera-me que eu estou quase a chegar
espera-me com o teu vestido de luar
deitada no teu leito de vagas mansas
espera-me que eu estou quase a chegar

espera-me que o amor vai acontecer
pode ser um momento breve
mas nunca será fugaz
espera-me que eu não posso voltar atrás

sussurra-me agora a tua melodia
espera-me tenho a minha alma vazia
faz da tua praia o meu destino
ama-me traz-me de volta o meu sorriso de menino

esbate-me esta loucura
ama-me uma só vez
deixa-me entrar de mansinho
abre-me os teus braços para eu encontrar o caminho

espera-me que eu estou quase a chegar……



António Paiva, que escreve aqui e aqui

sexta-feira, julho 20, 2007

Outra coisa é agir sobre eles.

Confesso que tenho preconceitos. Porque os tenho. Um deles, o mais forte, diz respeito aos dias de de verão: se é verão, vou à praia.

Assim, simples.

Há um mês que é verão. Fui à praia? Não!

Em vez disso, fiquei em casa - diria que fechada, mas o termo não transmite a agonia - a estudar. Agora quero ir à praia. Mas não! Há que esperar pelas notas.

Ultimamente, quando me confronto com os meus preconceitos,
penso: Tu não és deste anúncio!

Assim, simples.

Aaaaahhh...

«Madeira diz que pediu fiscalização mas...
Lei do aborto não está no Constitucional


O Tribunal Constitucional (TC) garantiu não ter chegado ao Palácio Ratton qualquer pedido de apreciação da lei do aborto por parte dos órgãos do poder madeirense, ao contrário do que tem deixado entender o Governo Regional da Madeira. De acordo com uma fonte ligada ao Tribunal, mesmo que a iniciativa tivesse sido concretizada ela não implicaria a suspensão da aplicação do diploma.
A mesma fonte assegurou ao Expresso que o único pedido de fiscalização sucessiva da constitucionalidade prende-se com a infracção a princípios consagrados na Lei Fundamental, como o direito à vida, e foi subscrito por um grupo de deputados à Assembleia da República, entre os quais se incluem Rui Gomes da Silva e Guilherme Silva (PSD), Matilde Sousa Franco (PS) e Hélder Amaral (CDS).
Neste contexto, estão por esclarecer as razões que levaram o Executivo de Alberto João Jardim a congelar a aplicação da IVG no arquipélago e a insistir que só reavaliará a decisão depois de conhecer o acórdão do Tribunal Constitucional sobre a matéria.

A MADEIRA NUM IMPASSE

As mulheres madeirenses que queiram abortar só têm uma solução: recorrer às clínicas privadas autorizadas no Continente. O Governo Regional diz não ter recursos financeiros, humanos e técnicos para aplicar a Lei da Interrupção Voluntária da Gravidez e suspendeu a sua aplicação no arquipélago por considerá-la inconstitucional.

No Palácio Ratton, em Lisboa, desconhece-se qualquer pedido de fiscalização preventiva da constitucionalidade por parte dos órgãos do poder regional.

Por seu turno, o Ministério da Saúde exige que o Governo de Alberto João Jardim manifeste disponibilidade para assinar um protocolo que conceda às madeirenses o direito de programar a interrupção nos hospitais públicos do Continente.

O secretário regional dos Assuntos Sociais, Francisco Jardim Ramos, garante que cabe ao Serviço Nacional "garantir a aplicação" do diploma e só admite negociar um protocolo desde que o Ministério da Saúde apresente uma proposta.»

Não digo mais nada.

segunda-feira, julho 16, 2007

Ah, pronto.

«Jardim diz que a Madeira não tem dinheiro para a IVG

As mulheres que decidirem pela interrupção voluntária da gravidez terão de recorrer aos serviços de saúde nacionais porque a Região Autónoma da Madeira não tem meios financeiros para satisfazer essa vontade, disse, hoje, o presidente do Governo Regional, Alberto João Jardim. "Ninguém está a impedir o cumprimento da Lei, a Região não tem é dinheiro e, portanto, existe um número nacional ao qual as pessoas que queiram fazer a interrupção voluntária da gravidez podem recorrer", declarou o governante madeirense à RTP-Madeira. João Jardim adianta que a Madeira não vai desrespeitar a lei mas sublinha que a "República não manda no Orçamento Regional". Por isso, a Secretaria Regional dos Assuntos Sociais vai emitir uma portaria, dando conta que não tem os meios financeiros para proceder à interrupção voluntária da gravidez, pelo que aconselha as mulheres nela interessadas a recorrerem aos serviços nacionais de Saúde.»

Jornal de Notícias online

Era dar-lhes a INDEPENDÊNCIA...
(a ver para onde é que se viravam!)

Precisely.

«Goals help organize and guide behavior over long periods of time (e.g., a student will persist in a statistics course because it is an important step toward earning a degree in psychology).»

Niles, S. G. & Hartung P. J. Emerging career theories

E qualquer designação de qualquer outra disciplina
provocaria o mesmo resultado.

domingo, julho 15, 2007

Até ao fim... iac.

;)

«We should all be concerned about the future because we will have to spend the rest of our lives there.»
Kettering, C. F.

5 anos.


- Mãããããeee, vem lá a comboio! - inclinando-se ligeiramente sobre a linha amarela sem a pisar para espreitar o fundo da linha.
- Não é a comboio filho, é o comboio. - explica a mãe.
- Mas é cor-de-rosa!!

sexta-feira, julho 13, 2007

Live and learn

Desengajamento.

O que é que isto significa?
Voluntários?
Alguém sabe?
Eu não sei.
Mas gostava de saber...


Será algum insulto?
Como diz a Beatriz:

«País de Gnus,pá!»

Psicologia do desenvolvimento vocacional

Olha-m'esta... a escolher cadeiras pelo interesse científico que podem ter!!! Eu devia era ter escolhido Introdução à Informática ou qualquer merda assim... Toda a gente sabe que aqui os professores são o que são e alguns acham que, ah e tal, até está sol, 'bora lá dar-lhes 2 toneladas de textos para ler a ver se fazem a cadeira e já que os vamos lixar, umas perguntitas de desenvolvimento no exame...


Mas nesta altura do campeonato alguém
ainda tem neurónios p'ra isto?!!

Zelo










legenda:
VEÍCULO BLOQUEADO (Duh!! Sério?! E a cena amarela na roda? Não há... ups...)
OCUPAÇÃO ILEGAL DESTE LUGAR (Que mania de estacionar nos lugares claramente marcados para o efeito!!!)
REBOQUE IMINENTE (Há mais de 3 horas... «iminente adj.2gén. 1 que está prestes a acontecer; próximo;» Dicionário de Língua Portuguesa)

quinta-feira, julho 12, 2007

Partilhando o alheio.

Apollo 17

Depois duma separação não se come à mesa. Nunca, a não ser que alguém tenha aceitado o nosso convite para jantar. Cozinha-se temperando o melhor que se sabe a comida, depois escolhe-se cuidadosamente um cd para ouvir, e senta-se sempre no sofá de lugar único. Nunca se senta no sofá de dois lugares. Aliás, no autocarro nunca se viaja num sozinho num banco duplo, numa sala de espera nunca se senta ao lado duma cadeira vazia, e na cama de casal dorme-se sempre na diagonal, ocupando a maior área possível do colchão. Falando em camas, o primeiro encontro sexual, casual ou não, não deve ser feito na própria cama mas noutro sítio qualquer, nem que seja no chão da sala da casa dum amigo.
Falando em amigos, os amigos são o mais importante. São eles que servem como saco de boxe quando é preciso. Em palavras, digo. Bater mesmo, é melhor não. E depois há o café. É o único momento em que se deve sentar a uma mesa com cadeiras vazias, porque beber café e ler o jornal ocupa muito espaço à nossa volta. Enquanto se folheiam notícias e se mergulha no bom sabor azedo da bebida, lança-se o olhar pelo espaço, como se fosse um satélite orbitando as mulheres que passam, se sentam, se levantam, sorriem e o que mais fizerem. Os satélites não falam nem tocam, orbitam só, discretamente, planetas onde um dia se gostaria de aterrar.


texto de:

quarta-feira, julho 11, 2007

A desabafar.

Estes slides são uma treta, esteticamente falando. Demoram milénios a carregar, o que por sua vez os torna irritantes. Não é fácil estudar assim!

Note to self: não utilizar no futuro. Isto é, quando finalmente aprender a criar - maravilha de verbo - em power point (ou powerpoint?)...



Disclaimer: as críticas feitas neste post não incidem sobre o conteúdo dos slides.

terça-feira, julho 10, 2007

A última viagem... ahm... paragem...




...na portagem da Dona Alice deste ano foi hoje. E não havia ninguém à minha frente a pagar em moedas de um cêntimo.

segunda-feira, julho 09, 2007

Em resumo, é isto...

Assim, ao certo...

... o que é que queres dizer exactamente com se já acabei de estudar?


O que raio é "acabar de estudar"?!

Na íntegra.

Impressões

Ele poderia ter olhos azuis. Tudo na sua cara indiciaria que os olhos eram azuis. De um azul profundo, escuro, brilhante e intenso. Mas à medida que os olhares se cruzaram foi-se apercebendo que afinal eram castanhos, escuros e igualmente intensos, com uma expressão profunda e irradiando brilho. Afinal não se enganara completamente. Os atributos que reconhecera naquela cara estavam lá contidos, o único aspecto que não correspondia era a cor. Aquele jovem homem moreno emanava magnetismo e parecia ali colocado de propósito para a gravação de uma cena de um qualquer filme passado numa capital dos trópicos. E movia-se consciente de que a sua simples presença a transportava para outros mundos e outras paragens...


texto:Brigida Rocha Brito
imagem: Final Fantasy X

domingo, julho 08, 2007

Crueldade...

... é estar a estudar num belo dia de sol, ouvir alguém lá fora:


«- Olá, vou tomar um café, querem vir?» - voz número 1.
«- Ó pá, hoje não dá. Vou à praia agora» - voz número 2.
«- Vá lá, despacha-te senão aproveitamos pouco a tarde na praia.» - voz número 3.

(...)
[continuação breve e irrelevante]


...e ter de continuar a estudar.

Sweet lovin'

imagem: Lucinda

Algures na baixa, um gajo levanta a t-shirt e dá uma palmada nos abdominais bem delineados, posto isto, a mão dele segue para trás do pescoço da namorada e, enquanto ela se ri, ele puxa-a e dá-lhe um beijo.

Hoje...

...que acordei cedo, não há missa. Ah, pois é...

sábado, julho 07, 2007

O primeiro texto

Nunca vou esquecer o olhar da rapariga que espera o tratamento de radioterapia. Sentada numa das cadeiras de plástico, o homem que a acompanha (o pai?) coloca-lhe uma almofada na nuca para ela encostar a cabeça à parede e assim fica, magra, imóvel, calada, com os olhos a gritarem o que ninguém ouve. O homem tira o lenço do bolso, passa-lho devagarinho na cara e os seus olhos gritam também: na sala onde tanta gente aguarda lá fora, algumas vindas de longe, de terras do Alentejo quase na fronteira, desembarcam pessoas de maca, um senhor idoso de fato completo, botão do colarinho abotoado, sem gravata, a mesma nódoa sempre na manga (a nódoa grita) caminhando devagarinho para o balcão numa dignidade de príncipe. É pobre, vê-se que é pobre, não existe um único osso que não lhe fure a pele, entende-se o sofrimento nos traços impassíveis e não grita com os olhos porque não tem olhos já, tem no lugar deles a mesma pele esverdeada que os ossos furam, a mão esquelética consegue puxar da algibeira o cartãozinho onde lhe marcam as sessões. Mulheres com lenços a cobrirem a ausência de cabelo, outras de perucas patéticas que não ligam com as feições nem aderem ao crânio, lhes flutuam em torno. E a imensa solidão de todos eles. À entrada do corredor, no espaço entre duas portas, uma africana de óculos chora sem ruído, metendo os polegares por baixo das lentes a secar as pálpebras. Chora sem ruído e sem um músculo que estremeça sequer, apagando-se a si mesma com o verniz estalado das unhas. Um sujeito de pé com um saco de plástico. Um outro a arrastar uma das pernas. A chuva incessante contra as janelas enormes. Plantas em vasos. Revistas que as pessoas não lêem. E eu, cheio de vergonha de ser eu, a pensar faltam-me duas sessões, eles morrem e eu fico vivo, graças a Deus sofri de uma coisa sem importância, estou aqui para um tratamento preventivo, dizem-me que me curei, fico vivo, daqui a pouco tudo isto não passou de um pesadelo, uma irrealidade, fico vivo, dentro de mim estas pessoas a doerem-me tanto, fico vivo como, a rapariga de cabeça encostada à parede não vê ninguém, os outros (nós) somos transparentes para ela, toda no interior do seu tormento, o homem poisa-lhe os dedos e ela não sente os dedos, fico vivo de que maneira, como, mudei tanto nestes últimos meses, os meus companheiros dão-me vontade de ajoelhar, não os mereço da mesma forma que eles não merecem isto, que estúpido perguntar
- Porquê ?
que estúpido indignar-me, zango-me com Deus, comigo, com a vida que tive, como pude ser tão desatento, tão arrogante, tão parvo, como pude queixar-me, gostava de ter os joelhos enormes de modo que coubessem no meu colo em vez das cadeiras de plástico
(não são de plástico, outra coisa qualquer, mais confortável, que não tenho tempo agora de pensar no que é)
isto que escrevo sai de mim como um vómito, tão depressa que a esferográfica não acompanha, perco imensas palavras, frases inteiras, emoções que me fogem, isto que escrevo não chega aos calcanhares do senhor idoso de fato completo
(aos quadradinhos, já gasto, já bom para deitar fora)
botão de colarinho abotoado, sem gravata e no entanto a gravata está lá, a gravata está lá, o que interessa a nódoa da manga
(a nódoa grita)
o que interessa que caminhe devagar para o balcão mal podendo consigo, doem-me os dedos da força que faço para escrever, não existe um único osso que não lhe fure a pele, entende-se o sofrimento nos traços impassíveis e não grita com os olhos porque não tem olhos já, tem no lugar deles a mesma pele esverdeada que os ossos furam e me observa por instantes, diga
- António
senhor, por favor diga
- António
chamo-me António, não tem importância nenhuma mas chamo-me António e não posso fazer nada por si, não posso fazer nada por ninguém, chamo-me António e não lhe chego aos calcanhares, sou mais pobre que você, falta-me a sua força e coragem, pegue-me antes você ao colo e garanta-me que não morre, não pode morrer, no caso de você morrer eu
no caso de você e da rapariga da almofada morrerem vou ter vergonha de estar vivo.


António Lobo Antunes (Visão 7/06/07)

Extraordinariedade 101 (one 0 one)

«Tu 'tivestes a ouvir qualquer coisa nos tímpanos!» - homem fora duma carrinha para homem que se estava a rir sozinho dentro da dita carrinha...


...isso e gajos feitos a jogar futebol com bola de voleibol no alcatrão da Rua Padre António Vieira de Coimbra - é assim que eu sei que ou é feriado ou é fim de semana...

Alone with my thoughts




















Quando se fazem as coisas a ver se dá, nunca dão.

When there's no one else...

... look inside yourself.

imagem: Gabi

And if you ever find you inner child, don't cry.
Just tell her that everything is going to be alright.

terça-feira, julho 03, 2007

Então... alguém?













Precisava duma luz...