domingo, fevereiro 04, 2007

Porque sim






«Quando eu cheguei à perigosa idade dos 40, quase todas as minhas amigas, mães, como eu, de adolescentes, ostentavam orgulhosamente barrigas de grávida. Eu olhava para elas e babava-me de inveja. E, naquela atitude meio infantil de "se elas têm, eu também quero", engravidei por três vezes. E, por razões que o médico nunca conseguiu perceber, por três vezes abortei, bem para lá dos dois meses de gestação.

Só eu sei o que isso me custou - tanto em termos físicos como psicológicos. Internamentos, raspagens, pouca paciência do pessoal hospitalar ("quê? era o terceiro filho? Para que é que quer tanto filho?"), foram experiências que me marcaram para sempre. Posso (ou se calhar nem posso…) imaginar o que passa uma mulher obrigada mesmo a abortar. Porque nenhuma mulher aborta simplesmente porque sim, nem de ânimo leve, nem - oh céus! - utiliza o aborto como habitual método contraceptivo. Se, juntando a tudo isso, ainda há uma lei que as manda para a cadeia - em que mundo-cão é que nós vivemos! E não me venham agora com aquele incompreensível argumento, para apaziguar almas sensíveis, de que ninguém quer isso. É exactamente isso que os partidários do "não" neste referendo querem. Deixemo-nos de hipocrisias o que está em discussão não é saber se se é pela vida ou contra (mas alguém será contra a vida?!); o que está em discussão é saber se se pode continuar a admitir que as mulheres com dinheiro abortem legalmente, nas melhores condições e sem problemas; e as outras continuem a arriscar a saúde, a vida e a liberdade. Sempre achei estranho que decisões como esta, do foro mais íntimo de cada mulher, acabem por ficar nas mãos dos homens e dos padres (com todo o respeito por ambas as classes.) Até porque, na altura em que teria sido bom que os homens aparecessem para partilhar dores e responsabilidades, eles desaparecem do filme...

Não me interessa a contabilidade não sei se são muitas ou poucas as mulheres efectivamente condenadas. Mas sei que há uma lei que pode levar a isso. E se as leis não são para cumprir, então para que servem? A lei tem de ser mudada - e depois cumprida. É por tudo isto que dia 11 voto sim.»

Alice Vieira, escritora
(publicado no JN a 4 de fevereiro de 2007)

2 comentários:

Anónimo disse...

Terá Portugal dado um pequeno passo em direcção ao futuro? Ai Klein, Klein...

Sandra disse...

Acho k sim, b. Só espero que eles saibam mesmo o k fazer com o resultado.